Friday, March 4, 2011

Bad News...

Quando eu era miúda o meu objectivo de vida era ser grande, crescida. Definitivamente não fazia ideia das complicações que isso traria, da quantidade de vezes que não iria andar de baloiço ou ir até à praia sentir a areia entre os dedinhos dos pés. Nada sabia acerca de responsabilidades, ou do facto de que haveria sempre alguém a coordenar os meus passos, que eu não seria completamente "D. de Mim" ou "Sra. do Meu Nariz".
Eu era o trambolho da casa... com as minhas histórias estapafúrdias acerca de pessoas inventadas na minha cabeça, numa estranha tentativa de entrar nas conversas dos adultos no horário nobre das refeições. O meu pai sorria e olhava para mim como se cada palavra fosse verdadeira (ainda hoje faz questão de me recordar disso) e nunca ninguém contrariou as personagens fictícias que eu conscientemente criava.
Lembro-me de uma frase num dos meus diários que dizia "Memories may be beautiful and yet what is to painful to remember, we simply choose to forget" (As memórias podem ser bonitas mas mesmo assim escolhemos esquecer o que é demasiado doloroso). Isto tudo para dar o mote aquilo que me levou a escrever este texto. Quando o meu avô morreu eu tinha 7 anos. Lembro-me das hermezetas que lhe colocava no café (por ser diabético), dos passos curtos (cortesia do Parkinson) e do cabelo escuro, bem colado à cabeça, que alinhava com um vulgar pente de plástico castanho. Depois do meu avô seguiram-se outros, e com o passar do tempo a dor de perder alguém não diminui, apenas se tornou diferente.
Há uns dias atrás descobri um novo tipo de dor... Não lhe posso dar um nome, nem me vou atrever, mas posso dizer-vos que não há nada pior do que perder um filho. Quando me meti nesta coisa de ser enfermeira, devia saber que nem sempre seriam só os velhotes a morrer. Essa seria, certamente, a ordem natural das coisas. A maior parte da minha família e amigos muitas vezes me pergunta como é que eu consigo lidar com miúdos que pesam menos, ou pouco mais, que 1kg de arroz... Eu sorrio e respondo que a maior parte das vezes as coisas até acabam bem, que observar e fazer parte da ligação especial que se estabelece entre pais e filhos é algo mágico. E é verdade, sinto o que digo.
Mas não há nada pior que perder um filho... Ver os sonhos, a esperança e o amor despedaçarem-se num só segundo quando alguém telefona do hospital e diz "Preciso de falar consigo. Temo que tenha más notícias". A dor é cortante, mesmo para aqueles a quem ela não pertence por direito. Então apercebo-me da parte mais difícil do trabalho... ver e sentir a dor de outrem, tentar ajudar e apoiar, estar presente mas dar espaço para a privacidade, e não saber como fazer tudo isto de forma correcta.
Não, este não é um texto leve, alegre ou jovial. Contudo, e como diriam os meus antigos professores de enfermagem, a morte é parte do ciclo da vida e devemos arranjar espaço para falar abertamente sobre ela. Certamente que não a faz desaparecer, mas talvez nos ajude a lidar melhor com quem sofre com a sua chegada...

2 comments:

Anonymous said...

"Já viste, numa tarde de Outono, cair as folhas mortas? Assim caem todos os dias as almas na eternidade. Um dia, a folha caída serás tu."
(Josemaria Escrivá)

Sardanisca said...

Obrigada pelo comentário candre1974. :) Por acaso sempre gostei do Outono (talvez por ter nascido nessa altura) e tenho um carinho especial pelo manto de cores que todos os anos cobrem o chão e fertilizam, e alimentam, as gerações seguintes. Não temo ser folha caída... temo a dor de ver as folhas da minha vida cairem diante de mim sem eu poder fazer nada.